sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Passear o Tédio


Pois é, hoje levei o Tédio a passear para aproveitar o sol que tem feito e que já ouvi dizer ser de pouca dura. Mas como já era de esperar e é característico o sacana voltou a deixar as suas cagadelas e mijadelas aqui e ali só para se fazer notar pelos demais mortais. É que isto de ter um animal de estimação tão impulsivo e frustrado tem o seu encanto, mas calma aí. Chega a ser engraçado ver o fruto dos seus caprichos e birras e mesmo alguns esperneares; ou mesmo a forma como ele arrasta aquele corpo dengoso e flácido num gingado que perpetua a máxima "quem nasce lagartixa não cresce para se tornar jacaré". O pior mesmo é que, nem bem alimentado e com todos os seus caprichos satisfeitos, o bicho não deixa de ter aquele temperamento que se não mata pelo menos desmoraliza todos aqueles com quem convive e partilha o espaço e tempo para se manifestar na sua mais profunda natureza sem nenhuns remorsos. Talvez não tenha sido boa ideia ter adoptado este animal de estimação, pois embora não tenha pulgas nem coma muito, acaba por ter um cio nada previsível e muito prolongado. Talvez eu devesse ter optado por um lindo aquário com peixes. Afinal sempre dava para afogar as mágoas de um verão que tarda mas não tem falhado muito.


A.r.t.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Amigos quem os quer?


Amigos!?!? Para que servem? Para nos chatearem a altas horas da noite com os problemas deles, como se os nossos já não bastassem; para nos fazerem gastar dinheiro nos jantares de aniversário e em prendas inúteis mas obrigatórias nas celebrações; para termos que fazer aqueles telefonemas da praxe: «é só para saber como estás»; para nos virem com a lamechice do costume naqueles momentos mais ébrios; para recordar os momentos passados de uma juventude desvairada. É para isso que servem os amigos? Então dispenso-os a todos. Sem excepção.

Para me fazer companhia compro um cão. Pelo menos tenho a certeza de que não abandonar-me-á quando necessitar dele. Não me vai dizer, seguramente: «se a minha namorada me deixar eu vou jantar contigo» ou «hoje dá o Benfica na tv e eu quero ver». O cão não trocar-me-á por uma namorada qualquer, daquelas que vêm e vão, ou por um mísero (e já agora, execrável) clube de futebol.

Amigos destes tenho muitos. Mas os bons amigos resumem-se ao núcleo de um átomo: um protão e um neutrão. Uma parte tão reduzida, tão ínfima que deve ser preservada como se parte de mim se tratasse. E destes não desisto eu.

Os outros lá vão. Caras conhecidas pelas quais passamos na rua e fazemos um pequeno aceno de cabeça. Gente tão desconhecida como o sapateiro lá do bairro. E assim, como um castelo de cartas, os laços soçobram e ficam os escombros de memórias longínquas.


a.r.T.

Ontem, a cem passos de distância, conseguia-se ouvir o som de litros de Super Bock a gorgolejar dentro da minha barriga. Hoje, não sei porquê, tenho uma terrível dor-de-cabeça. Deve ser da espuma da cerveja.  


a.r.T.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Ouves o murmúrio do amor?


Tu. Nada mais. Tenho ciúmes de tudo o que se move em teu redor, de tudo o que te toca. Tenho ciúmes até da chuva que te molha. Um sentimento sufocante, cúmplice de uma loucura que me cega. Por vezes ustório. Queima e num intenso braseiro transforma em cinzas tudo aquilo que fantasio.

Seres minha, eu ser teu. Será isso condição? Dar-me, entregar-me, ter-te, possuir-te. Sermos um só. Beijar o teu corpo nu. Mergulhar em ti e afogar-me profundamente. Tocar-te com dedos de devaneio. Perder-me contigo em lençóis de fantasia. Ser prisioneiro das tuas mãos.

Neste quarto estreito, sonho e perco-me. Sinto-me, por vezes, a afastar da realidade em que estou e voar para junto de ti. Infelizmente sei que não é mais do que uma vontade alada que tem uma longa corda atada aos pés, que ao tornar-se consciente faz-me regressar num ápice à triste realidade. E então, sinto-me um tolo por sentir. Dá-se em mim um nó que não mais se desata. E sem reacção sufoco, preso em barras de ilusão.

Vem ao meu encontro e deixa-te ficar... ou então deixa-me. Deixa-me como sou. Como queria ser. Como nunca serei.


a.r.T.

Já não há pessegueiros no caminho!


Mais uma noite perdida. Em branco. Penso em tudo. Estou aqui desde as duas da manhã e tudo o que fiz foi limitar-me a ouvir o silêncio da noite e perder-me em pensamentos. Ando de um lado para o outro. Páro. Deixo-me ficar quieto. Nada. Nem sono nem calmaria, apenas fúrias desenfreadas... Com lentidão acalmo e entorpeço-me. Uma realidade-outra surge.

Arrasto-me lentamente pelo chão e saio do quarto furtivamente. Encosto a porta atrás de mim. Saio de casa e enfio-me numa jangada a navegar rio afora empurrando-me em direcção ao mar. O nevoeiro serpenteia o alvo litoral nos primeiros alvores matinais. Deito a mão ao mar procurando tocar a espuma das ondas. O vento frio de um dia por nascer. O canto breve das gaivotas. Que sensação! Parece que deixei o meu corpo para trás por um tempo. Já não há pessegueiros no caminho. Parece que estou num deserto. Mas ainda agora neste jardim havia flores de todas as belezas!

Raiam na minha atenção vagos e dispersos ruídos. Oiço agora, distintamente, os passos de alguém sobre a madeira do chão. A luz acende-se arrancando de dentro de mim aquele sonho. Sou todo confusão. Estou de volta ao meu quarto com vista para a desolada rua.

Sei que despertei e que ainda durmo. Entre o sono e a vigília o meu corpo cansado diz-me que ainda é cedo. Volto a enfiar-me por debaixo dos lençóis esperando que a escuridão confirme que nada daquilo estava a acontecer.

Deixo para mais tarde pensar em tudo isto quando estiver mais desperto. Talvez, então, faça mais sentido.


a.r.T.