segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Tenho andado confuso, nada parece fazer sentido, até os ponteiros do relógio andam trocados, com vida própria, ora para a frente ou para trás. Deviam andar só para trás, fazer recuar o tempo, voltar à época em que era feliz, em que era criança e brincava e sorria genuinamente. Sinto-me velho, gasto e em desuso.

Olho-me ao espelho e não me reconheço. Não consigo autoretratar-me, não sei autobiografar-me. As feições estranhas, a testa, o queixo, o nariz e um sinal que reparo agora que não tinha, não dei por este sinal, e a boca com gengivas em estado de calamidade que obrigam os dentes a deslocarem-se em sentidos curiosos. O que se passa comigo? Faleci-me, acabou-se-me o corpo.

Esconde a dor, arruma-a na mala de viagem! Esquecido de gatas e lágrimas nos olhos não de lamento, não de verdadeira dor, mas de não saber o que se passa. A desorientação a ir e a voltar, o meu corpo feito de peças excessivas que estorvam, fragmentos supérfluos, a voz que não corresponde à minha, o apoio que me falta, que imagem é esta no espelho? Este reflexo não se parece comigo, parece-se com a minha incompreensão e o meu espanto. E que pregas de desconsolo são estas? Deve ser castigo por ter pecado, pequei e definhei. Quero desamarrotar este o rosto encarquilhado, quero recordar-me de como era. Mas isto passa, passa, se a vida que é tudo passa por fim, esta incerteza também há-de passar.

Foi há tanto tempo e no entanto foi ontem. Quando era novo era tão bonito. Sardas no nariz, olhos cheios de vida, sorriso fácil, cabelo farto. Limitei-me a piscar os olhos e fiquei como agora. E piscar os olhos é um instantinho. Pareço mascarado com rugas, careca, e com vontade de ir mais cedo para a cama. Falo mas não me entendo, balbucio referências indefinidas, «coisa» e «aquilo». Definhei devagar ou num instantinho? Neste momento sou feio, velho e podre.

Somos menos que um mero instante.

Brincadeira de mau gosto, a idade.


a.r.T.

1 comentário:

Anónimo disse...

Bonito man...escreves do (e com o) coração.

Um Abraço.

R.